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Entre heróis e princesas, os finais nem sempre são felizes

Envolvimentos amorosos, principalmente nos dias de hoje, são verdadeiros desafios. Como criarmos algo concreto quando tudo que nos rodeia é frágil e sem vínculos? Como fazer florescer algo que não está sendo cultivado com o intuito de desenvolver raízes? Se na vida real essas perguntas tornaram-se frequentes, o pouco afeto dos relacionamentos acabou também ganhanhando mais atenção e espaço no mundo literário.

O amor líquido, termo filosófico criado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, tornou-se o desencadeador de um assunto cada vez mais presente no vocabulário e na vida das pessoas quando falamos da fragilidade dos relacionamentos afetivos. Em sua obra literária “Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos”, o autor frisa, inúmeras vezes, um aspecto que, segundo ele, define claramente os elos modernos em que vivemos. “As relações líquidas seriam experiências pessoais de cada um, sem a construção da identidade de um casal, da integração entre dois indivíduos. Nessa fluidez, a vida de cada um estaria propensa a mudar de uma hora para outra, às vezes de forma imprevisível”. E na geometria moderna que nos exige viver momentos com prazo de validade, alguns autores despertam e retratam a capacidade que cada pessoa tem de vivê-los.


John Green, um dos escritores mais famosos da atualidade, despertou a atenção do público jovem por conta de suas histórias românticas, mas nem todas apresentaram finais felizes, assim como em Cidades de Papel (Paper Towns, no original): a história de Quentin Jacobsen, um adolescente com uma paixão platônica pela vizinha e colega de escola, Margo Roth Spiegelman. O desenrolar dessa história não será o nosso ponto focal por aqui, porém a sua mensagem é algo que foge dos padrões convencionais e dos tradicionais finais “felizes para sempre”, entre um príncipe e sua princesa. E, sejamos sinceros, a realidade líquida também pode nos trazer algumas lições.

Para Mayara Jordão, 25, a leitura realmente cria um mundo de possibilidades onde as pessoas têm sensações despertadas e passam a depositar seus desejos, mas o olhar das expectativas, seja em indivíduos ou relacionamentos, foi algo que a fez enxergar o amor com outros olhos. “Na vida, alguns envolvimentos amorosos são como apresentados neste livro do Green. Nós ralamos muito, achamos que aquilo será muito legal e, depois de conseguirmos, percebemos que não é lá aquela coisa, porque você acha que isso seria algo correspondente ao seu esforço, mas acaba não sendo”, explica a analista de recursos humanos. No fim das contas, para ela, o chove não molha das relações está relacionado também ao desinteresse que as pessoas possuem, nos tempos atuais, em não querer nada sério, sem um cuidado ou responsabilidade com os sentimentos do outro. “Talvez, atualmente, estejamos tão ocupados sendo pessoas de papel, que não notamos o que de fato é importante de verdade ou se aquilo é realmente algo que queríamos na vida e em relacionamentos”, finaliza.

E sermos pessoas de papel em um mundo moderno só mostra também o quanto as idealizações podem interferir em nossas reais experiências quando falamos de relacionamentos. Partindo dessa ideia, a inglesa Alexandra Potter lançou o You're the One That I Don't Want, em português, Você (não) é O Homem da Minha Vida: O enredo apresenta a história de Lucy, uma jovem que conhece Nate, em Veneza, durante o seu intercâmbio da faculdade. Nesse período, ela fica encantada e acredita que ali encontrou o amor da sua vida, mas o destino acaba os separando. 10 anos depois, eles se reencontram, porém o garoto tornou-se um homem arrogante e esnobe, totalmente diferente daquele a jovem conheceu na Itália.

Após essa passagem de tempo, a personagem tenta tirar de sua vida essa antiga paixão, mas se depara também com uma sensação da qual muitos de nós somos vítimas, e que Alexandra deu uma ênfase na história: a idealização de algo que poderia ter sido, mas que por conta da falta de um fim definitivo, acaba fazendo com que não vivamos o nosso presente por estarmos presos a um passado inacabado. Na opinião da leitora Adriana Munhoz, 32, um dos fatores marcantes nessa comédia romântica é o fato de que em algumas situações, precisamos repensar e refletir nossas atitudes para saber o que realmente buscamos para nós mesmos. “O mais importante é o amor e o valor que nos é dado pelas pessoas que realmente se importam conosco, sendo necessário fazermos boas escolhas em nossa trajetória, assim como a mensagem que a autora transmite na história”.

Falando em escritores, não poderíamos deixar de citar Isabela Freitas. Ela faz sucesso com sua série de quatro livros de autoajuda que se misturam com romance. No Brasil já foram vendidos 1,5 milhão de exemplares.

A autora decidiu escrever seu primeiro livro, “Não Se Apega, Não”, após uma decepção amorosa. A leitura traz textos e frases reflexivas sobre desapego e términos.

“Desapegar: remover da sua vida tudo que torne o seu coração mais pesado. Loucos são os que mantêm relacionamentos ruins por medo da solidão. Qual é o problema de ficar sozinha? Que me desculpe o criador da frase “você deve encontrar a metade da sua laranja”. Calma lá, amigo. Eu nem gosto de laranja. O amor vem para os distraídos. ”

A mineira resgata o amor-próprio e a autoconfiança, encorajando seus leitores a entrarem em contato com eles mesmos. No mesmo trabalho, a personagem precisa encarar a vida, mas sabemos, no entanto, que essa tarefa não é tão simples.

Para a leitora Yasmin Araújo, 20 anos, o primeiro livro chamou tanto sua atenção que ela finalizou a leitura em uma semana. Diferente de outras obras de auto-ajuda que apenas lhe dizem o que fazer, ela ficou cativada pela forma com que a história é narrada e como a autora consegue transmitir a mensagem de uma garota que termina um relacionamento duradouro para se encontrar, buscando pelo amor próprio e, ao mesmo tempo, conseguindo ajudar seus leitores. "A Isabela tem o poder de te tocar em cada capítulo, mostrando que é sim possível viver uma vida feliz sem depender de outras pessoas, que não precisamos ir em busca de um par perfeito e que a maior prova de amor recíproco é o amor próprio", comenta.

Já em seu segundo livro, “Não Se Iluda, Não”, Isa continua narrando sua história visando compartilhar dicas e conselhos que auxiliam seus leitores quanto a dúvidas, inseguranças e conselhos para pessoas que encontram-se vulneráveis em relacionamentos. Logo de cara, o tom de amparo é muito presente, já que a leitura exibe 20 dicas para que as pessoas não se iludam no campo amoroso. Com um amadurecimento notório da escrita, é possível nos depararmos com uma personagem mais decidida, buscando aquilo que o seu coração realmente deseja.

Quando lemos o terceiro título, "Não Se Enrola, Não", notamos uma garota mais desapegada e leve, assim como nos envolvemos com o que ela mantém com Pedro, o personagem com que a Isabela vive seu ‘’isso’’, como diz a personagem. Não, não é um namoro. Não, não é apenas uma amizade. É algo muito mais complexo, um relacionamento sem um rótulo definido e, as vezes, é bom não rotular, somente viver e deixar rolar. Só basta saber como você se sente em relação a isso. Por ser totalmente a favor do desapego, Isa, não tenha coragem de confessar seus sentimentos. Talvez seja medo de se envolver ou receio de não saber o que seu seu parceiro quer, mas Isabela sabe que está se apaixonando pelo seu melhor amigo.

A leitora e fã de Isabela Freitas não se arrependeu da leitura, muito pelo contrário, absorveu um conteúdo importante em uma época onde vivemos amores líquidos. “No final deste livro pude ter a certeza que aquela foi uma das melhores leituras que eu já havia tido, e dali consegui tirar lições incríveis, não só sobre relacionamentos mas também sobre a vida em geral. Tenho certeza que os outros leitores tiveram a mesma experiência incrível”, destaca.

O último livro da série, “Não se Humilha, não”, foi lançado no começo do mês de março de 2020, mas já é um verdadeiro sucesso. Ele começa apresentando 20 regras de como não se humilhar por aquela pessoa. Mas antes de aprender a desapegar, Isabela precisou aprender a parar de se humilhar.

Yasmin relembra ainda como se sentiu ao final da série literária “A autora está sempre mostrando que é possível ser feliz sozinha. Ela busca reforçar a procura pelo amor próprio, compartilhando conosco os problemas que um relacionamento abusivo pode causar e que, na sociedade atual, é necessário evitarmos", finaliza a leitora.

E se na vida real os eternos apaixonados ficam com um pé fora da porta e com os olhos bem abertos quanto aos relacionamentos, no fantasioso mundo literário nós seguimos em busca das certezas que não temos, onde procuramos algo que de alguma forma preencha nossa vazio, mas em uma sociedade tão moderna, isso não precisa mais ser caracterizado por um príncipe e uma princesa.